Texto propõe sanções a líderes religiosos e instituições que oferecerem aconselhamento ou acolhimento espiritual voltado à mudança de orientação sexual
Um Projeto de Lei apresentado no final de junho na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) está gerando forte repercussão entre líderes religiosos, juristas e defensores da liberdade individual. De autoria do deputado estadual Hilton Coelho (PSOL), a PL/25862/2025 pretende proibir e penalizar práticas conhecidas como “terapias de conversão” no estado, incluindo apoio espiritual voluntário a pessoas LGBT que desejam deixar a homossexualidade.
Segundo o texto, caso seja aprovado, serão proibidas atividades como aconselhamento pastoral, cultos, orações, retiros, reuniões religiosas e até sessões de apoio emocional com enfoque na chamada “sexualidade bíblica”. Também ficarão vedadas internações, cirurgias e uso de medicamentos com o objetivo de alterar a orientação sexual ou identidade de gênero.
Além disso, o PL propõe instituir o 26 de julho como Dia Estadual de Conscientização e Combate às Terapias de Conversão, em alinhamento com uma mobilização nacional que também tramita em outros estados, como São Paulo.
Multas, punições e cassações
A proposta prevê sanções administrativas severas, incluindo multas que podem chegar a R$ 450 mil e até cassação da licença de funcionamento de instituições religiosas ou organizações reincidentes, especialmente quando houver envolvimento de menores de idade.
Entre as ações tipificadas como passíveis de punição estão:
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Submissão de pessoas a internações ou tratamentos sem consentimento médico
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Aplicação de penitências físicas ou castigos
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Sessões de aconselhamento ou “correção” espiritual
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Promoção de encontros religiosos com objetivo de “mudar” a orientação sexual
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Divulgação de conteúdos que incentivem mudanças de identidade de gênero
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Coerção ou exposição pública em cultos ou rituais religiosos
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Solicitação de doações com finalidade de sustentar tais práticas
A apuração das infrações ocorrerá a partir de denúncias feitas por vítimas, familiares, ONGs ou autoridades públicas.
Juristas apontam riscos à liberdade de fé e à autonomia pessoal
Para a advogada Julie Ana Fernandes, especialista em Direito Religioso, o projeto levanta sérias preocupações quanto à violação de direitos fundamentais, como a liberdade de crença e a autonomia individual.
“A liberdade pressupõe o direito de escolher como viver, quais valores seguir, qual fé professar. Proibir quem oferece apoio espiritual voluntário a alguém que deseja seguir uma vida de fé fere esse princípio básico”, argumenta.
Embora o texto do PL não criminalize diretamente quem busca o apoio espiritual, Fernandes alerta que a penalização de quem oferece o suporte pode impactar, indiretamente, a liberdade de escolha dos próprios indivíduos.
“O Estado não deve interferir na conversão, no culto ou nas decisões espirituais íntimas de ninguém”, completa. A jurista também lembra que condutas discriminatórias ou abusivas já são punidas pela legislação vigente, o que, segundo ela, torna o projeto redundante e perigoso ao limitar manifestações legítimas da fé.
Apoio espiritual não é imposição
Religiosos temem que o PL possa punir orações, aconselhamentos, encontros ou simples diálogos com pessoas que, por decisão própria, buscam alinhar sua vida à sua fé. Fernandes reforça que, mesmo dentro da comunidade LGBTQIAP+, há pessoas que optam por caminhos de espiritualidade que envolvem mudanças profundas em sua vida pessoal — e esse direito não pode ser tolhido.
“O direito de se converter e de viver conforme os valores da fé é constitucional. Impedir isso é ferir a essência da liberdade religiosa no Brasil”, afirma a especialista.
Ela também chama atenção para o crescente movimento mundial de judicialização da fé cristã, citando que em países como o Reino Unido já há proibição de orações públicas ou aconselhamentos nesse sentido, o que pode representar uma ameaça crescente à liberdade de culto.
Reconhecimento de destransicionamentos
O debate também acontece em um contexto onde cresce a visibilidade das chamadas pessoas destransicionadas — aquelas que passaram por procedimentos de transição de gênero e depois se arrependeram. Em abril deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a resolução 2.427/25, reconhecendo o direito dessas pessoas a receberem apoio psicológico e médico especializado.
O Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) emitiu nota pública apoiando a resolução e destacando que essas pessoas, frequentemente jovens, enfrentam danos físicos e emocionais irreversíveis após intervenções feitas de forma precipitada.
“O artigo 8º da resolução restabelece o princípio da justiça, ao reconhecer que os destransicionados também precisam de suporte e acolhimento”, destacou a nota.
Conclusão
O projeto de lei segue em tramitação na Assembleia Legislativa da Bahia, mas já mobiliza juristas, instituições religiosas e entidades civis. Para muitos, a proposta abre precedentes para a limitação da liberdade de expressão religiosa e da autonomia dos indivíduos que escolhem caminhos de fé.
Se aprovado, o PL 25862/2025 poderá transformar práticas tradicionais de aconselhamento espiritual — historicamente respeitadas no Brasil — em motivo de sanção administrativa e judicial, gerando efeitos profundos para a liberdade religiosa no país.