Transição para o digital e custos elevados impulsionam retração da programação religiosa na televisão brasileira
Durante mais de duas décadas, as igrejas evangélicas ocuparam um espaço crescente na programação da TV aberta brasileira, especialmente nas madrugadas. No entanto, esse cenário começa a mudar. Segundo levantamento do colunista Gabriel Vaquer, do portal F5, o tempo semanal destinado a conteúdos religiosos nas principais emissoras caiu significativamente — de 48 horas antes da pandemia para 32 horas e 15 minutos em 2025.
A retração reflete uma reestruturação estratégica do setor evangélico, que tem migrado para plataformas digitais em busca de menor custo e maior alcance segmentado. A televisão aberta, antes considerada o principal canal de evangelização em massa, já não ocupa o mesmo lugar nas prioridades de muitas denominações.
Universal segue na contramão da tendência
Apesar da queda geral, a Igreja Universal do Reino de Deus, liderada por Edir Macedo, permanece como exceção. A denominação ainda mantém presença dominante na TV Record — emissora de sua propriedade — e em outras redes como a TV Gazeta e a RedeTV!. No total, são mais de 21 horas semanais de programação religiosa, com investimentos que ultrapassam os R$ 900 milhões anuais somente na Record.
Enquanto isso, outras igrejas evangélicas optaram por reduzir suas participações. A Igreja Internacional da Graça de Deus, por exemplo, que antes mantinha 11 horas semanais no ar, agora ocupa cerca de sete horas e meia.
Estratégia repensada
Um dos casos mais simbólicos é o do pastor R.R. Soares, figura tradicional nas madrugadas da Band. Ele reduziu drasticamente os gastos com TV: seus contratos, que antes somavam R$ 8 milhões por mês, agora giram em torno de R$ 4,5 milhões. O contrato atual com a emissora vai até junho de 2026, mas não há garantia de renovação.
Esse comportamento acompanha uma mudança mais ampla no setor evangélico, que passa a investir mais em canais digitais. Lives, cultos online, transmissões por aplicativos e redes sociais têm se mostrado alternativas mais baratas, com maior alcance direto e engajamento com os fiéis.
Da tela grande para o smartphone
A migração para o digital representa uma adaptação tecnológica e cultural, mas também indica uma nova fase para o evangelismo eletrônico. A dependência das grades televisivas diminui, enquanto YouTube, Instagram, TikTok e plataformas de streaming ganham protagonismo.
Para os líderes religiosos, isso representa não apenas um redirecionamento de recursos, mas também um novo modo de evangelizar, com linguagem mais dinâmica, menor custo de produção e maior interação.
Fim de uma era?
Embora a presença evangélica na televisão continue significativa, os números mostram que os tempos de hegemonia religiosa nas madrugadas da TV aberta estão em transformação. O que antes era um domínio absoluto, hoje dá lugar à diversificação de canais, linguagens e estratégias.
A TV aberta deixa de ser o centro, mas não perde totalmente sua importância — servindo como vitrine complementar às ações digitais. Para as igrejas, o desafio agora é equilibrar tradição, modernidade e eficiência no contato com o público.