De vila à base da capital moderna: como a antiga “campininha” se tornou peça-chave na fundação e no desenvolvimento de Goiânia
Nesta terça-feira (8), o bairro de Campinas, um dos mais tradicionais e antigos de Goiânia, completa 215 anos de história. Muito antes de ser incorporado à capital goiana, o local nasceu em 1810 como um arraial modesto, cresceu, virou vila em 1907 e foi elevado à condição de município em 1914. Mas com a criação da nova capital, perdeu sua autonomia e passou a integrar o novo projeto urbanístico do Estado de Goiás.
Durante o planejamento da mudança da capital, outras regiões como Pires do Rio, Bonfim e Bandeira (Ubatan) foram analisadas. No entanto, Campinas foi a escolha definitiva. Suas condições geográficas, a boa topografia e a fartura em recursos naturais, como terras férteis e matas preservadas, fizeram dela o local ideal para o visionário plano de Pedro Ludovico Teixeira.
A semente de Goiânia nasceu em solo campineiro
Segundo o historiador Sérgio Felício, que pesquisou profundamente o papel de Campinas na construção de Goiânia, a mudança da capital já era discutida antes mesmo da Marcha para o Oeste. A ideia ganhou força com a Revolução de 1930 e o fortalecimento do projeto modernizador do então interventor Pedro Ludovico.
Com cerca de 4 mil habitantes nos anos 1920, Campinas já possuía uma base comunitária organizada, marcada por forte religiosidade e administração conduzida por padres redentoristas e freiras franciscanas. “A comunidade era muito ligada à fé. Quando o local foi escolhido, os campineiros cederam casas para os primeiros órgãos administrativos, e nasceu então a Vila Operária”, explica Sérgio.
Mercado Municipal de CampinasConflitos, migrações e transformações
A chegada de migrantes vindos de Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso alterou profundamente a dinâmica local. Trabalhadores humildes, sem garantias trabalhistas, ocuparam regiões como a própria Vila Operária. Ao mesmo tempo, o país começava a discutir os direitos sociais e trabalhistas no contexto do governo Getúlio Vargas.
“Esses trabalhadores sequer conheciam o que era salário mínimo. Foi nessa época que surgiram os primeiros sindicatos e associações trabalhistas em Goiânia”, afirma o historiador. Essa divisão social resultou na formação de três grandes grupos: os campineiros, já estabelecidos; os migrantes, em situação de vulnerabilidade; e os goianienses, políticos e famílias ligadas ao poder público.
A arquitetura simbolizava esse processo. O estilo art déco, que marcava os principais prédios públicos da nova capital, representava o progresso. Inclusive, o coreto original da Praça Joaquim Lúcio, no coração de Campinas, foi substituído por uma versão art déco em 1940. No entanto, na década de 1970, os moradores restauraram o estilo original, buscando preservar a identidade do bairro.
Praça coronel Joaquim Lucio (foto: reprodução)O desafio de preservar a memória
Após a inauguração de Goiânia, Campinas foi oficialmente incorporada à capital. A população, no início, via a mudança com entusiasmo. Mas com o tempo, o bairro perdeu protagonismo político, parte da infraestrutura e sua autonomia administrativa.
Apesar disso, Campinas permanece viva como um importante polo econômico e comercial, além de ser um símbolo da resistência cultural. Para o historiador Sérgio Felício, ainda há muito a ser valorizado:
“Infelizmente, o bairro hoje é mais lembrado pelo comércio do que pela sua contribuição histórica. Campinas merece ser reconhecida como berço da capital, por sua cultura, sua gente e sua memória.”